MOSCOU – Em campo, o sucesso da Rússia na estreia da Copa do Mundo saiu melhor que a encomenda: já se sabia que a Arábia Saudita era um rival fraco, mas ninguém apostava numa vitória erguida já no primeiro tempo – os três gols depois do intervalo foram o molho no strogonoff do 5 a 0, uma das maiores goleadas numa inauguração de torneio, superada só pelo 7 a 1 da Itália sobre os Estados Unidos, em 1934.
A dúvida é se o Mundial começou a dar certo além das quatro linhas. A avaliação só pode ser feita em termos russos: foi uma estreia ótima nas quatro linhas, mas na avaliação geral o dia foi “ochen ne ploha” – “muito não ruim”, em tradução literal. “Não ruim” no sentido de que evitou-se tudo que podia dar errado no campo: os três pontos e a esperança de classificação livram as autoridades, tanto do futebol quanto do país, do risco de que a bolha estourasse cedo. Por enquanto, no primeiro dia, ela só cresceu: houve prisão de ativista LGBT, proposta de reforma da providência, soltura de Alexei Navalny, o maior rival do presidente. E cobrindo as fissuras internas do país sob constante vigilância internacional.
Se há problemas fora do Lujniki, porém, eles não passaram pela imensa barreira de segurança montada para quem foi ao estádio. A abertura foi agradável, apesar do dedo do meio do cantor inglês Robbie Williams, que não causou impacto na torcida – até porque ninguém viu. Putin, ele sim, foi visto por todos e ovacionado. E escutado.
Um silêncio imperial do público acompanhou seu discurso minutos antes da bola rolar. Aliás, os russos assistiram a maioria da partida como se fosse um balé, sem um pio. Com exceção a segundos de gritos desanimados do nome do país, só mesmo os dois gols fizeram a torcida gritar no mesmo volume de quando o polêmico presidente apareceu.
Quando se fala que, dentro de campo, tudo deu certo, a coisa pode parecer simples: gols, vitória, três pontos. Mas para a Rússia teve mais. O time conseguiu vencer com a facilidade a fácil Arábia Saudita e a dura impressão que uma derrota na estreia poderia já fazer o time ser visto como um primeiro eliminado virtual do torneio. E de uma maneira que ficou bom pra quase todo mundo, menos para os sauditas, claro.
Primeiro, o gol inaugural. Marcado pelo volante Gazinsky, de cabeça, deu uma moral necessária para o desacreditado técnico Cherschesov. O jogador é uma ideia dele, que foi criticada à época da convocação. Para jogar a Copa, o camisa 8 da Rússia acabou entrando no lugar de Glushakov, embaixador da Copa por Rostov, e onde a seleção joga, ídolo do Spartak, uma espécie de “Flamengo russo” em popularidade.
Continua Depois Midia
Depois veio o gol político, o gol que manda um recado maior que uma bola que estufa a rede. Danis Cheryshev, venceu com dificuldade a fácil marcação de três sauditas e deve ter aberto um sorriso no rosto de Putin, que apareceu na tribuna em animada resenha com o príncipe saudita, Mohammed bin Salman, e o presidente da Fifa Gianii Infantino.
que Cheryshev, apesar de nascido em Novgorod, na Rússia, cresceu e começou a carreira no futebol espanhol, e até sete anos atrás quase foi parar na seleção de lá, atraído pelo recém título da Copa de 2010 e pelo fato que dizia se sentir mais espanhol que russo. Com passagens por Real Madrid, Sevilla, Valencia e atualmente no Villareal, time tradicionais da Espanha, Cheryshev é, em campo, um símbolo quase moldado para a maneira que a Rússia quer se mostrar nesta Copa: internacional, relevante, moderna e tolerante. Se puder fazer gols, melhor ainda. E ele ainda fez mais um, o quarto, se tornando artilheiro da Copa, pelo menos por um dia.
O barulho de 78 mil torcedores – e do potente sistema de som – no estádio Lujniki, na partida de abertura, mostrou-se suficiente para deixar a imagem de uma tarde hospitaleira e amigável na Rússia, adjetivos usados por Putin em seu discurso. A mensagem para os estrangeiros, no gramado e na boca de Putin, era um “bem-vindo”. Horas antes, o ativista LGBT britânico Peter Tatchell foi detido pela polícia russa após um piquete solitário na Praça Vermelha – criticava as denúncias de torturas de homossexuais na Chechênia, república autonôma dirigida pelo controverso Ramzan Kadyrov, aliado próximo de Putin. A Chechênia é também base de treinos do Egito neste Mundial.
Enquanto a bola rolava, o cenário político não parava. Dmitri Medvedev, número 2 de Putin, aproveitou o dia da abertura da Copa para anunciar um projeto de aumento da idade mínima de aposentadoria no país. O assunto, assim como no Brasil, está longe de cair no gosto dos russos. O futebol, por outro lado, não parou de economizar nas benesses para o povo. Dzyuba, outra das “teimosias” do técnico Cherchesov, e o jovem Golovin, em excelente atuação, fizeram os outros gols. O último, aliás, de falta, foi da jovem esperança do futebol russo, que viu os olhos da Europa crescerem para seu futebol também com um gol de falta, pelo CSKA, contra o Arsenal, pela Liga Europa. A Rússia, definitivamente, chamou a atenção pelo que fez com a bola, mesmo tendo ficado com apenas 39% da posse de bola em toda a partida.
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